A guerra dos botões (La Guerre des boutons –filme de Yves Robert) – Vocês estão lembrados?
(senscritique)
O filme foi terminado em 1962 e acredito que tenha chegado em São Paulo no mesmo ano.
Eu tinha onze anos e era assídua frequentadora dos alguns e excelentes cinemas do centro da cidade; se não me falha a memória, a película foi apresentada no cine Ipiranga, seleta sala não longe da nossa escola, o Instituto de Educação Caetano de Campos.
Naquela época somente podíamos contar com as matinês dos cines Metro e Cinerama e poucos foram os filmes para crianças, encenados com crianças, que eram projetados em São Paulo.
Para contrabalançar o medíocre e melodramático filme espanhol, “Marcelino, pão e vinho”*, o jovem diretor francês, Yves Robert, – o mesmo que nos anos 80 adaptou para a tela as obras de Marcel Pagnol( “La gloire de mon père” “Le Chateau de ma mère”) , teve a inspiração de adaptar para o cinema o romance “A guerra dos botões”, de Louis Pergaud, publicado em 1912.
Apesar de poucos filmes na sua filmografia, Yves Robert foi premiado tanto pelo seu trabalho de 1961(Prêmio “Jean Vigo” e “Vitórias do Cinema Francês”) como pelo duo acima citado.
O grande mérito desse cineasta consistia em trabalhar com crianças e de escolher uma equipe técnica de primeira ordem para atuarem naturalmente tendo um sólido script, sempre baseado em obra literária de grande valor.
A guerra dos botões, é iniciada com um plano geral de uma imagem congelada ( o mesmo fotograma repetido muitas vezes) que nos dá ilusião de ser uma imagem fixa. Ali identificamos uma localidade rural francesa, cortada pela linha do horizonte; de repente, de costas para a câmera, entram correndo no quadro dois meninos camponeses, que acabam de sair da escola.
Aos gritos eles estão propondo selos e folhinhas de carnê para a campanha contra a tuberculose! – Exatamente o que fazíamos na escola Caetano de Campos, tanto para ajudar os sanatórios como para ajudar as crianças “defeituosas” que tinham o seu Lar (Lar da Criança Defeituosa) lá para os lados do aeroporto, quando a área não estava ainda urbanizada.
A história do romance de Pergaud, fala da rivalidade de duas comunidades vizinhas (Longeverne e Valrans) onde as crianças reproduzem esse conflito através dos jogos, sempre guerreando entre si, apoiadas num discurso patriótico e republicano e usando a logística da guerra: infantaria, cavalaria, artilharia pesada (“tanques”)…
Não sei se em 62 as crianças da minha idade teriam compreendido toda a trama, inclusive porque o filme foi projetado em meio urbano; não havia confrontos entre populações de bairros paulistanos diferentes e nem sequer competições inter-escolares que envolvessem rivalidade.
(“Lebrac”- in à voir à lire)
Na trama do filme o “conceito de honra” era claramente emitido pelos líderes de cada banda da Guerra dos Botões e o lindo garoto que representou “Lebrac”, aliás bem parecido com o falecido e irreverente Patrick Dewere, corta a canivete os botões das calças e camisas dos adversários apreendidos durante uma batalha travada a estilingue ou a pedrada.
Daí a ideia de Lebrac de colocar todos os seus soldados nus para a próxima contenda, afim de não arriscarem a perda dos botões caso vencesse o adversário.
(Petit Gibus- à voir à lire)
Lembro-me perfeitamente de ter ficado com vergonha quando vi a meninada nua, indo para a glória militar, mesmo que nenhum detalhe seus dos corpos fôsse mostrado explicitamente…
(le blog du cinéphile amateur)
Naquela época meninos eram sempre separados de meninas no pátio da escola e certas atitudes nos eram proibidas.
Voltando ao filme, Lebrac é severamente punido pelo “Labrac-pai” e é ameaçado de partir para o colégio interno depois que os pais dos meninos do grupo adverso vão reclamar das condições dos presos daquela guerra-mirim.
Se a primeira batalha foi feita com espadas de pau, a segunda incluiu a “cavalaria”, através da participação de um belo potro e de um jegue teimoso.
O mais impressionante confronto, porém, se deveu à traição do garoto, antirepublicano e royaliste, que guerreava entre os republicanos de Lebrac; para usufruir de uma carona no trator novinho em folha do pai do comandante do grupo adversário, Aztec, revelou a existência de uma cabana onde se reuniam os soldados e onde todo o tesouro de guerra era exibido: botões, cadarços, suspensórios de calças, calças curtas… E assim, o trator virou tanque e desmoronou a cabana orgulhosamente construída pelos “soldados” de Lebrac!
O problema é que o trator, que deveria ser utilizado por alguns minutos pelo garoto, ficou paralizado, em pane, até alta noite, entre os escombros do casebre, por motivos técnicos ou de imperícia do novato condutor.
A criançada toda, de ambos os campos foi recebida à palmadas em suas devidas casas e Lebrac, por razões de orgulho e honra desapareceu de casa por uns tempos, até ser recolhido por caçadores e lenhadores.
O último plano do filme, mostra Lebrac dentro do dormitório do colégio interno, infeliz com o final de sua aventura, quando o seu adversário de lutas, Aztec (nome com conotação e denotação exigidas) , entra no quarto.; ele também tinha sido punido com a decretação da prisão filial!
No momento em que se identificam, ambos se abraçam e dizem a frase final :
“O pior é que quando crescermos vamos ficar tão cretinos como nossos pais!”
Para a moral da época trata-se de um filme altamente subversivo, onde os personagens mais brilhantes são respondões aos pais e não admitem intelectualmente nem a repressão física, parecida, de forma atenuada, à tortura, servindo de metáfora à situação dos argelinos na guerra.
Uma única menina “trabalha” no filme, como madrinha da corporação de Lebrac, com a tarefa de costureira, para pregar os botões que faltarem nas jaquetas depois de cada batalha ou para coser os fundilhos de algumas calças rasgadas em combate.
O professor é o agente do saber e o divulgador da ideia de justiça republicana “Liberté-Egalité-Fraternité” e graças aos conhecimentos adquiridos em classe, as crianças calculam as perdas, constrõem sua cabana, assim como discutem como punir com justiça cada soldado apreendido.
Lembraram-se do filme?
Pois se ele for novamente projetado, não o percam; as imagens são de uma beleza incontestável, em branco e preto bem contrastado, e crianças-atores maravilhosos que devem ter primeiramente lido o romance, observado seus elementos, discutido as situações e interpretado vários papeis antes de obter o seu.
Elas trabalham tão naturalmente e tão bem, método Stanislaviski à altura, que pensamos não se tratar de uma ficção, mas de um documentário filmado à revelia dos participantes.
(wilma schiesari-legris)
Não vi o filme, mas o comentário é profundo.
A humanidade vive em estado de guerra e o lema “liberte, egalité, fraternité” vai para as cucuias!